sexta-feira, 22 de outubro de 2010

“A Revolução do Fast Fashion"

 

 Enrico Cietta,professor da Universidade Católica de Milão,Consultor de Moda e Sócio-Diretor da Diomedea-empresa italiana de pesquisa e comunicação-  passou um ano pesquisando a fast fashion ( moda rápida, em inglês ), fenômeno que atingiu a Itália, assim como o resto da Europa. A pesquisa resultou no  livro '  A Revolução do Fast Fashion'. O professor Cietta , tem dado inúmeras palestras sobre a temática do livro, que será lançado no Brasil no fim de outubro, pela Estação das letras e Cores Editora.Se para Cietta, o Fast Fashion não é apenas um negócio de copiadoras e sim, uma revolução, o seu livro antes mesmo de lançado, já provoca rebuliço, entre os que deliciam-se com assuntos e novidades que cercam o mundo da moda.

 

 A Zara destaca-se como uma das grandes redes europeias que adota o conceito" fast fashion"



Enrico Cietta ,estará lançando seu livro"A Revolução do Fast Fashion"no Brasil, no final de outubro.Até lá, vamos colhendo um pouco das suas idéias, através de entrevistas.

Valor: O que o Brasil pode aprender com o varejo italiano?
Enrico Cietta: É importante ter em mente que a loja não é somente um local onde os produtos são disponibilizados aos clientes, são fábricas onde um artigo intermediário se transforma em um artigo final. O varejo é um espaço onde grande parte dos valores dos produtos são criados. Por essa razão, os empresários da moda têm que pensar produtos e lojas para criar valor para o consumidor. Não há mais o produto da moda sem varejo, não há indústria da moda sem varejo.

Valor: Como o senhor avalia a moda brasileira?
Cietta: Eu posso descrever a sociedade e a moda brasileira com três características: multicultural, jovem e em busca de seu lugar no mercado global. Seu multiculturalismo é uma vantagem competitiva maravilhosa para o design nacional porque pode inspirar um design capaz de sintetizar muitos pontos de vista culturais. A juventude é uma garantia de olhar para o longo prazo e para o futuro. Pense, por exemplo, na ética na produção. Por outro lado, o design brasileiro ainda está procurando por um lugar no sistema de forma global. Algumas marcas têm um lugar no mercado europeu, mas elas não são reconhecidas como brasileiras. Mas tenho a certeza de uma coisa: a moda brasileira é o futuro.

Valor: O mercado brasileiro usa bem os conceitos do "fast-fashion"?
Cietta: O sistema da moda brasileira é muito favorável para o sucesso do "fast-fashion", principalmente porque ainda há espaço para o varejo e a indústria de produção crescerem. Hoje, posso reconhecer três elementos que na Europa e, especificamente, na Itália, possibilitaram o sucesso do "fast-fashion": a presença de centros de distribuição como o Mega Polo Moda, em São Paulo, que passa de um atacadista simples para um showroom; a presença de cadeias como a C&A - na Itália, papel desempenhado pela Zara e H&M - são capazes de quebrar o molde e usar designers locais como Reinaldo Lourenço, Alexandre Herchcovitch, Isabela Capeto e Amir Slama; e a concepção de produtos a preços acessíveis. O sucesso de algumas marcas, como a Farm, por exemplo, mostra que é possível fazer aqui um "fast-fashion" com estilo próprio, focado em seu mercado-alvo e utilizando as lojas para comunicar o que pretende passar da marca.

Valor: Algumas redes de "fast-fashion", como a Zara e a MNG, que na Europa são consideradas de massa, chegam ao Brasil com um preço mais elevado e acabam abastecendo um outro público, mais qualificado. Quais as dificuldades que as grandes redes encontram para reproduzir seu modelo de negócio em países tão distintos da matriz?
Cietta:Isso é verdade não só no Brasil, mas também em outras partes do mundo, por duas razões. A primeira é que a Zara ou Mango em alguns países europeus entraram no mercado como um nome desconhecido. Hoje sua marca é conhecida mundialmente e que pode exigir um preço "premium". Por outro lado, é verdade que eles são fundamentalmente baseados no conhecimento local de seu mercado e na rede de parcerias que têm na Europa. Por exemplo, você sabia que a Zara compra 40% dos seus têxteis na Itália e a maioria da produção de roupa é feita no espaço europeu? Se você tem de ser flexível e rápido, você precisa ter o controle e coordenar a cadeia de produção, tem que encontrar parceiros locais para fazer bons produtos rapidamente. Não é tão fácil quando a marca não está inserida localmente. Acredite quando digo que, com os incentivos adequados, o "fast-fashion" é muito mais poderoso que as tarifas de importação para defender a indústria nacional e o varejo.

Valor: Como esse modelo de negócio será afetado diante da crescente consciência das pessoas em relação à diminuição do consumo?
Cietta: Eu acho que o modelo "fast-fashion" por si só não será afetado pela necessidade de diminuir o consumo. Mas podem ser afetadas as empresas que utilizam o preço baixo e a má qualidade como a sua única vantagem competitiva. A ideia de que o "fast-fashion" pode ser perturbador para o futuro dos recursos naturais é comum no Reino Unido, mas não tão difundida na Espanha ou na Itália. O modelo inglês é diferente de seus homólogos espanhóis e italianos, que usam o design mais do que o preço para vender produtos.

Valor: Em seu livro, o senhor diz que o modelo do "fast-fashion" pode ser aplicado com sucesso a outras atividades da economia. Quais características permitem isso?
Cietta: Todos os segmentos da cultura, como a música, o cinema, a editoração, e híbridos indústrias, onde os aspectos culturais são misturados com os aspectos industriais, como na moda, podem usar esse modelo. Um caso interessante na Itália é a Nau, marca que começou a transformar a indústria de óculos, que costumava pensar que apenas uma coleção anual era o suficiente. Essa marca começou a apresentar dez coleções por ano, com produtos de boa qualidade a um preço mais baixo do que as marcas tradicionais. Esse é o exemplo perfeito do modelo "fast-fashion" aplicado a um setor diferente do vestuário. Na televisão, o modelo é muito popular: os participantes dos "reality shows" não são escolhidos logo de cara. A mistura de participantes é modificada de acordo com a reação do público. Aqui, novamente, o design do produto é o resultado da escolha dos consumidores.

Valor: Qual o modelo de "fast-fashion" pioneiro no mundo? Ele funciona para todos os mercados ou precisa ser adaptado de um país para o outro?
Cietta:O "fast-fashion" foi inventado na Itália durante os anos 80 e foi chamado de "pronto moda", mas era completamente diferente do que conhecemos como o modelo "fast-fashion" atual. A Inditex, detentora da Zara, foi capaz de transformar o modelo de "pronto moda' em algo novo, misturando com as características do varejo tradicional.

Valor: O que o setor perdeu e o que ela ganhou com a chegada do "fast-fashion"?
Cietta:O "fast-fashion" não é um posicionamento no mercado, não é uma moda, é um modelo de negócio. A principal ideia é envolver as escolhas dos consumidores na concepção dos produtos. É diferente do passado, quando a ideia era que as pessoas escolhessem a partir de um certo número de produtos, a velha ideia de coleções sazonais. No modelo "fast-fashion", o processo criativo é contínuo e as escolhas dos consumidores são imediatamente incorporadas ao design de novos produtos. Poderíamos chamar a isso de "moda adaptável" ou "design adaptável". O que seria perigoso é baixar a qualidade dos produtos para manter a frequência de consumo elevada.

Valor: Esse modelo de varejo é baseado em uma tendência de consumo veloz. Isso tende a sofrer modificações conforme a evolução do ritmo do desejo de consumo?
Cietta: Sim e não. O modelo "fast-fashion" funciona melhor para aqueles produtos cujos mercados têm grande frequência de consumo. É mais fácil fazer um "design adaptável" na indústria da moda do que na indústria moveleira, por exemplo. Por outro lado, o volume de produtos de "fast-fashion" disponíveis vai normalmente contra o ciclo do mercado. Quando a economia desacelera, ele aumenta, há redução dos preços dos produtos a fim de incentivar a compra. Mas as cadeias que se baseiam unicamente no valor dos produtos sofrem com a desaceleração.

Valor: De que forma marcas menores, que não têm a mesma dinâmica de produção e logística das grandes redes, podem se aproveitar dos conceitos do "fast-fashion"?
Cietta: Eles têm uma grande vantagem: conhecem o mercado. Podem se concentrar no local em que estão e responder às mudanças de consumo com sua flexibilidade. Tais marcas podem adaptar-se infinitamente melhor do que as grandes cadeias, podem decidir, por exemplo, durante a temporada, adequar o número de coleções e a velocidade de rotação do produto na loja. Por outro lado, devem construir uma rede de parcerias com outros produtores e/ou outros verejistas, sendo essa a única maneira de manter a flexibilidade e compensar a economia de escala menor. As marcas devem parar de tentar fazer tudo. A estratégia deve ser mais concentrada. Algumas marcas italianas, por exemplo, produzem apenas alguns tamanhos de acordo com o público-alvo, para limitar a produção e reduzir custos. Do ponto de vista da política industrial, o modelo "fast-fashion" pode ser uma ferramenta de defesa muito mais poderosa que as tarifas de importação.
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Reportagem: Por Rebeca de Moraes
Fonte: Valor Econômico online

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