terça-feira, 1 de abril de 2014

DITADURA

a poderosa arma dos generais e a arte da resistência

Por Lila Dourado
O Brasil viveu um período de ditadura militar entre 1964 e 1984, uma fase bastante triste da nossa história. Com o Golpe de 64, os presidentes da República passavam a serem indicados por uma junta de comandantes das Forças Armadas.
As Forças Armadas, cujo papel deveria ser o de defesa do país, da integridade territorial e da garantia dos poderes constitucionais, institucionalizou por 21 anos  a corrupção e fez da tortura uma prática política, tornando-se juizes  da Pátria.
Durante a Ditadura, os generais aliados dos banqueiros, fazendeiros, políticos vindos da antiga União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Social Democrático(PSD) com interesses comuns, formavam uma oligarquia avessa as críticas ou à oposição. Os militares prendiam, batiam e matavam professores, políticos, estudantes, jornalistas e artistas, procurando envilecer o caráter dos movimentos sociais organizados. Com o poder que tinham, os militares poderiam ter transformado o Brasil numa grande nação, com reformas substanciais. Mas, fizeram o inverso, asseguravam o crescimento econômico da burguesia, ampliando o abismo entre pobres e ricos do país.
O regime militar violentou os direitos humanos e interrompeu o diálogo democrático, entre o governo e a sociedade. Nesse período, o teatro tornou-se necessariamente político, mas contundente e de protesto. Algumas peças teatrais eram feitas pelos Centros Populares de Cultura(CPC) da UNE, abordando a Reforma Agrária, a história do campesinato e do operariado. Foi o momento do florescimento da dramaturgia brasileira e da arte de representar. Os textos e os atores denunciavam a ditadura, o entreguismo e a covardia governamental ao se integrar inteiramente ao poder do governo dos EUA e aos outros países, além da subserviência ao poder cívico militar.
O dramaturgo Augusto Boal,  criador do Teatro do Oprimido, auto-exilou-se durante boa parte do regime militar. Em 1968, quando a liberdade de expressão foi amordaçada com AI-5, Boal desenvolveu com outros atores, o teatro-jornal,  procurando dar ao espectador não o produto acabado, mas os meios de produção. Ensinava a fazer teatro a partir de notícias de jornal.
Às vezes, a censura não proibia o espetáculo, mas cortava 80% do texto a ser apresentado, o que levava a revolta de muitos autores e atores, como: Ruth Escobar, Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Augusto Boal, Zé Celso Martinez, Fernando Gabeira, Ferreira Gullar, , prin
 O clima de protesto contaminava muitos artistas, muitos deles reuniram-se no Show Opinião, peça musical de protesto escrita por Armando Costa, Oduvaldo Viana Filho e Paulo Pontes. Com músicas de Zé Keti e João do Vale formavam um imenso painel cultural da época. Na voz de Nara Leão os trechos: "Carcará/ Pega, mata e come/ Carcará/ Num vai morrer de fome/ Carcará/ Mais coragem do que home". Nara, utilizou sua voz como instrumento de denúncia.Os poemas e depoimentos lidos por ela, mostravam o desejo de ensinar um novo caminho, o da liberdade. Sua voz tornava-se firme ao dizer: " Podem me prender,/ podem me bater/ podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião", ela acreditava seriamente que- " O Brasil é o que a gente faz dele", principalmente quando observava a platéia cantando junto.
Cacilda Becker tornou-se porta-voz de toda a classe teatral, quando declarou desobediência civil: " De hoje em diante os artistas brasileiros não obedecem à censura; nós vamos fazer os nossos espetáculos, não vamos mandar mais para a censura. Desconhecemos a censura". Com estas palavras, Becker destacou-se na luta contra a censura imposta pelo Regime Militar.
A onda de protesto percorria o Brasil de Norte a Sul e o confronto com a política resultava em mortes  e feridos. Os grupos de esquerda, unidos e presentes nas manifestações teatrais, nos atos estudantis, atentados contra representações diplomáticas estrangeiras e bancos, divergiam quanto à linha de ação e combate à ditadura.
O poeta Ferreira Gullar, presidente do CPC da UNE em 1964 e membro do  partido comunista brasileiro, preso m 1968 quando Costa e Silva decretou o AI-5, posicionou-se contra a luta armada:" A minha luta que pregava, era luta pacífica para ganhar a opinião pública e obrigar a ditadura a abrir e devolver ao país as  liberdades democráticas, vencemos, porque a ditadura foi derrotada, não pela Luta Armada. Ela foi derrotada pelo voto." Gullar, buscava através do CPC conscientizar as massa populares da condição de opressão e exploração.
O Cinema Novo, manifestação artística da maior importância, consolidava-se com Nelson Pereira dos Santos. Glauber Rochacom o Slogan " Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão" rebelava-se contra a estética e modelo econômico-social dominante e exigia reformas.
Diante do impasse entre os movimentos populares (pró-governo) e conservadores(contra o governo),ganhava peso a idéia de que o impasse só seria resolvido com a deposição dos militares do poder.
A partir dos Anos 70,os  movimentos populares ganharam força, artistas, jornalistas, advogados, professores, políticos e estudantes, mobilizaram a sociedade civil e respaldados pela igreja católica,  a partir de 1980 consolidam-se na luta pela Anistia e Liberdade Democrática no país.


Em 1968, Geraldo Vandré tornava-se o ícone do movimento artístico brasileiro, ao compor a música "Prá Não Dizer Que Não Falei de Flores". A música tornou-se um hino para estudantes e artistas. Todos a cantavam em encontros e passeatas. Os militares consideravam Vandré, subversivo e perigoso. O artista ao ser perseguido, preso e torturado pelos militares, levou Chico Buarque de Holanda a usar o pseudônimo "Julinho da Adelaide", para escapar da perseguição da censura. Apesar de duro e cruel, o regime não conseguiu evitar que a criatividade florescesse, nas mentes dos nossos brilhantes artistas. Muitos sentiam-se na obrigação de conscientizar a população, sobre o papel de cada um na sociedade, através das músicas de protestos. Tornaram-se porta-vozes do povo, ao denunciar a ação das Forças Armadas no Brasil.

Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores




Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores 
Geraldo Vandré


Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção…

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer…

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão…

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer…

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão…

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer…

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não…

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição…

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer…




Em agosto de 1979, Figueiredo assina a Lei da Anistia, beneficiando mais de 4 mil pessoas penalizadas durante os difíceis anos da ditadura. Graças a Lei da Anistia, os presos políticos foram soltos e os exilados puderam retornar ao país. Entre eles: Leonel Brizola, Jânio Quadros, Fernando Gabeira, José Serra, Celso Furtado, Darci Ribeiro,Miguel Arraes, José Dirceu, Luis Carlos Prestes, João Amazonas e muitos artistas e intelectuais.
O cenário brasileiro começou a mudar com a Nova República, o povo depositava as esperanças na nova fase da história, ao som da música "O Bêbado e o Equilibrista", que tornou-se o grande hino da anistia na voz de Elis Regina. Elis, a maior intérprete da MPB morreu aos 36 anos em 1982, sem experimentar esta vista panorâmica da Democracia, pintada pela luta do povo brasileiro e na qual era perceptível a mão da grande bossanovista que resistiu bravamente ao regime. Elis foi bem mais que um "Falso Brilhante".

O Bêbado e o Equilibrista
João Bosco e Aldir Blanc,1979

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos

A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil!

Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil

Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar

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