Francílio Dourado, durante o lançamento do livro "História do Brasil República e Ceará Estado" na Câmara Municipal de Fortaleza
Dourado, cor que reveste a ausência
por Lila Dourado em 01.nov.2010 às 12:16h
Só os pais, nos acolhem com amor incondicional,ao longo da nossas vidas,aguentam nossas chatices, inquietações, alegrias,tristezas, enfrentam conosco nossos medos, cuidam dos nossos ferimentos, para que estes não deixem cicatrizes, nem no físico, nem na alma .
Pai e Mãe, o que seria de nós, sem eles ? na verdade,nem existiríamos.
Acordei com saudades, do velho Dourado. Como dizia Gramsci," na hora da perda, a intensidade do sofrimento e dor será bem maior, se a escolha tiver sido o descaso". Minha relação com papai, sempre foi intensa no amor, respeito e carinho. Por isso, relembrar os bons momentos vividos me faz tão bem. Lembrei-me de quando Lula foi eleito presidente e enquanto comemoravamos e cantavamos "Lula lá uma estrela brilha..."abraçando meus irmãos Dourado e Marcílio, comemoravamos e choravamos, lembrando do nosso pai, que não estava ali pra testemunhar a vitória de um grande líder sindical.
A vitória da Dilma, foi uma grande conquista para a Mulher.Mas foi diferente, num outro contexto,com alianças que deixaria meu pai indignado.Conhecia-o bem,seu jeito inquieto e verdadeiro de ser.Sempre que via o Plínio Arruda Sampaio do PSOL na TV. Lembrava-me de Francílio Dourado, como o inquieto político do PDT , que com seu jeito anárquico e brincalhão, tornou-se um opositor por convicção.
Após a vitória da Dilma, lembrei-me muito dele.A figura política do velho Dourado, reflete a somatória da postura do Plínio com a Marina.Lembro-me, que o mesmo afastou-se do PDT, partido do qual foi um dos fundadores no Ceará, quando Lúcio Alcântara filiou-se, dizendo" não posso continuar num partido, que aceita filiações de quem colaborou com o governos arenistas e ocupou cargos públicos durante a ditadura".
Lembro-me ainda,da forma alegre como presenteava os filhos, ao chegar de suas viagens como jornalista político. Guardo com carinho, a primeira boneca, a vitrola, as agendas(que me serviam como diários), os livros e a máquina de escrever.Guardo ainda ,o seu primeiro panfleto de candidato a vereador,ao lado de outra mulher também inquieta, na luta por justiça social, a Rosa Fonseca.
Abrindo minha caixa de fotografias, como me orgulho, vê-lo em passeatas, contra a ditadura militar, noutras ao lado de Brizola, Moema Santiago,Tereza Zerbini e seus fiéis amigos da política,Heitor Férrer e Araújo de Castro( que nos deixou a pouco tempo,pra continuar ao lado do amigo,lutando por um mundo melhor, lá de cima).
Sinto falta dos seus discursos inflamados, diante das alianças políticas que se orquestravam em prol das eleições e da alternância do poder.
Lembro-me bem, do jeito emocionado e cheio de orgulho, ao falar dos filhos. Brigar...ele brigou com todos, da mesma forma e com a mesma intensidade que estendeu a mão e abriu os braços quando necessário.Atitude comum,não somente em relação aos filhos, mas extensiva a todos com os quais convivia,com os quais tinha afeto.
Francílio Dourado, rompia os padrões convencionais, tanto na convivência social como política. Seu jeito expontâneo e verdadeiro de ser, incomodava alguns, mas agradava a grande maioria dos que o conheciam.Foi um guerreiro na luta contra a ditadura e contra o coronelismo no Ceará.
Quando criança, via meu pai como uma espécie de herói,cresci vendo suas inquietações e sabendo que quando ele ausentava-se de casa, era por estar percorrendo todo o estado do Ceará, fundando núcleos políticos, como fez com o MDB (partido que durante o regime militar,congregava as forças oposicionistas contra a Arena,partido da situação).
Francílio Dourado...quanto orgulho eu tinha e tenho ao chamá-lo de pai. Era de fato, um bom cidadão, um bom jornalista,um homem que advogava sempre em favor dos outros e que percorria os mais diversos caminhos à favor da educação.Nossa casa, serviu de abrigo para parentes,amigos... tinha sempre visitas, pessoas de baixa renda, que vinham em busca de ajuda para colocar seus filhos nas escolas e em cursinhos pré-vestibulares.Acredito, que minha grande paixão pela Chapada do Araripe,não deve-se somente a questão da beleza geográfica, arqueológica e a cultura do povo.Mas, principalmente pelo que meu pai plantou por lá, dos rastros que ele deixou.
Quando escuto pessoas, que o conheceram falando dele de forma elogiosa, fico emocionada. Como ocorreu, quando o jornalista e ex-secretário de cultura, Auto Filho, me falou:
" Seu pai ajudou muita gente, da forma mais expontânea e verdadeira.Muitos dos quais,ele nem percebia o quanto estava ajudando, por achar sua ação um ato natural .Sou muito grato ao Dourado, pela forma despretenciosa e consciente, com a qual ele me ajudou durante a ditadura".
Adísia Sá,outra profissional amiga e companheira do jornalismo,que aprendi a admirar através do meu pai, me deixou com a voz embargada, após um debate na Universidade ao afirmar:
" Minha filha, seu pai possuia características que são essenciais no jornalismo, a inquietude, o compromisso e a coragem , ele não só buscava a notícia, ele participava, se envolvia sem se render.Por isso,não chegou ao poder,pois não mudava seu ponto de vista,não se vendia por nada,não se rendia nem mesmo ao partido ao qual era filiado " .
Papai ,conquistou muitos amigos e não deixou inimigos.Cercou-se de pessoas que ainda hoje, nos abraça com a emoção e o carinho de quem abraça os filhos de um "Zoadento Guerreiro".
Também não deixou herança material,mas deixou para nós a certeza, de que o amor verdadeiro é incondicional e que é este amor, que deve alimentar as relações entre pais e filhos.
Saudades...saudades deste guerreiro que se foi e nos deixou com muitas histórias pra contar
Francílio Dourado e Perpétua Dourado
Pai...
Teu olhar buscava o da minha mãe
Quando ela já carregava consigo, um fruto prestes a germinar
Esse momento registrado em foto, não tornou-se capa de revista.
Muito menos, comercial do Dia das Mães!
É apenas um registro, de que com simples click, um casal comum pode contar muitas histórias. Revelando que mesmo com agruras cotidianas,pode ser possível construir castelos de sonhos reais e deixar bons rastros.
Aqui... o ventre da tua amada Perpétua, tem cor Lila...s !
"As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma..."
(Mario Quintana)