O cantor e compositor Caetano Veloso, reflete sobre as ideologias da Moda e os interesses do jornal O Globo em tentar vincular o nome de Marcelo Freixo com a morte do cinegrafista da Band, Santiago Andrade. Caetano, escreve aos domingos para o jornal.
Freixo outra vez
Simplesmente me pergunto qual exatamente será a intenção do GLOBO ao estampar manchetes e editoriais induzindo seus leitores a ligarem Marcelo Freixo aos rapazes que lançaram o rojão que matou Santiago Andrade. A matéria publicada no dia em que saiu a chamada de capa com o nome do deputado era uma não notícia. Nela, a mãe de Fábio Raposo, o rapaz que entregou o foguete a Caio Souza, é citada dizendo acreditar que o filho “tem algum tipo de ligação com Freixo”. Isso em resposta a uma possível declaração do advogado Jonas Tadeu Nunes, que, por sua vez, partiu de uma suposta fala da ativista apelidada Sininho. O GLOBO diz que esta nega. Como então virou manchete a revelação da possível ligação entre o deputado e os rapazes envolvidos no trágico episódio? Eu esperaria mais seriedade no trato de assunto tão grave.
Li o artigo do grande Jânio de Freitas em que ele defende a tese de intenção deliberada de assassinar um jornalista, o que está em desacordo com as imagens exibidas na GloboNews. Sem falar na entrevista do fotógrafo, que afirma que o detonador do artefato tinha mirado os policiais. Claro que me lembrei, ao ver a primeira reportagem na GloboNews, dos carros de emissoras de TV incendiados durante as manifestações, o que me levou a participar da indignação dos âncoras do noticioso. Um vínculo simbólico entre aquelas demonstrações de antipatia e o ocorrido em frente à Central é óbvio: um rojão sai das mãos de um manifestante e atinge a cabeça de um jornalista. Mas parece-me abusivo ver nisso o propósito de matar o repórter. Nas matérias que se seguiram, O GLOBO, ecoando falas do advogado Jonas Tadeu, que diz não ser pago por ninguém para defender os dois réus mas conta que um deles diz receber dinheiro para ir às manifestações, insiste em lançar suspeita sobre Freixo, por ser o PSOL, seu partido, um possível doador do alegado dinheiro. Na verdade, as declarações do advogado, mesmo nas páginas do GLOBO, soam inconvincentes. O mesmo Jânio de Freitas, em artigo posterior àquele em que defende a tese de assassinato deliberado, se mostra desconfortável com o comportamento de Jonas Tadeu. Já O GLOBO, no qual detecto uma sinistra euforia por poder atacar um político que aparentemente ameaça interesses não explicitados, trata as falas de Tadeu sem crítica. Uma das manchetes se refere a vereadores do PSOL que teriam contribuído para uma ação na Cinelândia, na véspera de Natal, sugerindo ligação do partido com vândalos, quando se tratava de caridade com moradores de rua. O tom usado no GLOBO é, para mim, de profundo desrespeito pela morte de Santiago.
Freixo, em fala firme ao jornal, desmente qualquer ligação com os dois rapazes. Ele também lembra (assim como faz Jânio) que Jonas Tadeu representou o miliciano Natalino.
Quando Freixo era candidato a prefeito, escrevi artigo elogioso sobre ele. O jornal fez uma chamada de capa que, a meu ver, desqualificava meu texto. Manifestei minha indignação. A pessoa do jornal que dialogava comigo me assegurou não ter havido pressão dos chefes. Acreditei. Agora não posso deixar de me sentir mal ao ver a agressividade do jornal contra o deputado. Tudo — incluindo os artigos de autores por quem tenho respeito e carinho — me é grandemente estranho e faço absoluta questão de dividir essa estranheza com quem me lê.
Caetano Veloso
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